Gordofobia: por que esse preconceito é mais grave
do que você pensa.
O peso, isoladamente, não é um indicativo para sinalizar doenças.
Mesmo assim, crescem os casos de preconceito contra pessoas gordas
no Brasil

EVELYN DAISY, CRIADORA DA MARCA PRETA EMPONDERADA (FOTO: JULIA RODRIGUES)
O homem que casar com uma mulher gorda vai preferir trabalhar dobrado, ficar na
rua, qualquer coisa, menos voltar para casa e encontrar uma mulher gorda”, disse o
líder de uma instituição religiosa em um encontro de jovens entre 17 e 25 anos de
idade. Na plateia, Evelyn Daisy pareceu ser a única a se importar. “Todos no salão
aceitaram. Eu me senti mal, mas abri meus olhos e entendi que era preconceito”,
conta ela, que se define como “preta, gorda, evangélica e feminista” e criou uma
marca de roupas justamente com o objetivo de empoderar mulheres gordas e negras
que, como ela, usam manequim além do número 52
.
Estudos indicam que, apesar dos esforços de conscientização, atitudes
.
Estudos indicam que, apesar dos esforços de conscientização, atitudes
preconceituosas explícitas contra gordos aumentaram consideravelmente entre
2001 e 2010.
Ainda é mais comum, no entanto, que o preconceito apareça travestido de elogio
ou preocupação. Frases como “você tem o rosto tão bonito, por que não
emagrece?”, “nossa, eu que sou mais magra que você não tenho coragem de usar
biquíni” ou “seu marido é
tão magro e você é tão gorda, dá certo?” são ouvidas por mulheres como Evelyn
dia
sim, outro também. Elas são reflexo da chamada gordofobia, o preconceito ou
intolerância contra pessoas gordas.
Enquanto injúria racial e violência contra a mulher são consideradas crime no
Enquanto injúria racial e violência contra a mulher são consideradas crime no
Brasil, o preconceito com pessoas gordas não apenas passa batido como é até
encorajado por órgãos de
saúde pública e campanhas de publicidade, especialmente durante o verão, quando
os corpos estão mais à mostra. Mas por que, afinal, há tamanha intolerância com o
corpo gordo?

Tortura Medieval
Para começo de conversa, essa discriminação não é novidade. No entendimento judaico-
cristão clássico, a gula é um dos sete pecados capitais e, portanto, uma demonstração de
fracasso moral. Durante o período medieval, o jejum era uma prática constante que
valorizava a espiritualidade em detrimento do corpo. Mais tarde, com o
desenvolvimento da medicina, pesquisadores e charlatões propuseram as mais variadas
soluções para o suposto problema, de ovos de parasitas a engenhocas para
eliminar a gordura e exercícios que mais pareciam tortura… Tudo em vão.

Padrões que adoecem
Bernardo Costa sempre foi a única pessoa gorda da família, que o pressionava para emagrecer. Ao começar a frequentar a cena gay do Rio de Janeiro, sentiu vontade de se “montar” como as drag queens que ele tanto admirava. Um dia, vestiu um maiô preto brilhante, fez uma maquiagem elaborada e foi para a pista. “Você não tem vergonha de usar as roupas que usa com esse seu corpo?”, ouviu de um conhecido. A verdade é que não, muito pelo contrário. “Eu me monto e as pessoas me olham torto, às vezes me pergunto se estou me expondo demais. Mas tem que ser na luta, dei minha cara a tapa — alguns gostaram, outros não”, diz. “A gente tem que se soltar. A vida é muito curta, não podemos nos prender a preconceitos.” Mas se soltar não é algo tão fácil: os efeitos da gordofobia também podem ser sentidos na vida emocional e são capazes de abalar o psicológico.
Tamara Greenberg, psicóloga especializada em trauma e saúde mental que atende pacientes em San Francisco (EUA), nota que pessoas estigmatizadas pelo seu peso muitas vezes passam a acreditar que não merecem ser amadas. “Pessoas com sobrepeso são extremamente estigmatizadas e estereotipadas. Eu vi mulheres obesas concluírem que ninguém se sentiria atraído por elas por causa de seu peso, mas isso simplesmente não é verdade”, afirma à GALILEU.
“Elas adotaram essas ideias sobre quem merece atenção com base em ideais de beleza atuais, mas basta olhar uma pintura renascentista para ver como esses ideais mudam.” Segundo Greenberg, a implicância com a obesidade diz mais sobre as pessoas que fazem comentários desnecessários a respeito do corpo alheio do que sobre os próprios obesos. “Aqueles que têm problemas com indivíduos com sobrepeso possuem muitas ansiedades relacionadas a comida”, destaca.
De fato, não são só as pessoas obesas ou com sobrepeso que sofrem gordofobia. Qualquer um que não se encaixe nos padrões de beleza pode se sentir estigmatizado e, como resultado, desenvolver doenças como bulimia e anorexia, problemas comuns entre adolescentes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada cinco meninas brasileiras com idade entre 13 e 15 anos se acha gorda ou muito gorda. Entre as entrevistadas, apesar de 21,8% se considerarem gordas ou muito gordas, o desejo de perder peso atinge 30,3% delas. É uma ansiedade generalizada, que pode vitimar jovens que levam padrões de beleza a sério demais.
Em São Paulo, segundo pesquisa da Casa do Adolescente, da Secretaria de Estado da Saúde, 77% das adolescentes apresentam propensão a desenvolver algum distúrbio alimentar, seja anorexia, seja bulimia, seja compulsão por comer. Entre as participantes do estudo, 85% acreditam que existe um padrão de beleza imposto pela sociedade; 46% disseram que mulheres magras são mais felizes; e 55% adorariam simplesmente acordar magras. Outro balanço do mesmo órgão apontou que, em média, a cada dois dias uma pessoa é internada por anorexia ou bulimia somente nos hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo.


Tortura Medieval
Para começo de conversa, essa discriminação não é novidade. No entendimento judaico-
cristão clássico, a gula é um dos sete pecados capitais e, portanto, uma demonstração de
fracasso moral. Durante o período medieval, o jejum era uma prática constante que
valorizava a espiritualidade em detrimento do corpo. Mais tarde, com o
desenvolvimento da medicina, pesquisadores e charlatões propuseram as mais variadas
soluções para o suposto problema, de ovos de parasitas a engenhocas para
eliminar a gordura e exercícios que mais pareciam tortura… Tudo em vão.
"Estamos tentando há centenas de anos encontrar a solução da corpulência, mas
nunca conseguimos. A partir do momento em que as primeiras relações entre
problemas de saúde e gordura corporal começaram a ser publicadas, o gordo
passou a responder por tripla acusação: falta de formosura, falta de
retidão de espírito e falta de capacidade para gerenciar a própria
saúde”, diz a nutricionista Paola Altheia. Criadora do blog Não Sou Exposição,
Altheia notabilizou-se por desconstruir os mitos de emagrecimento e questiona os
padrões de beleza: “Está mais do que na hora de compreendermos que o corpo gordo
não é um erro, um pecado ou um crime”.
nunca conseguimos. A partir do momento em que as primeiras relações entre
problemas de saúde e gordura corporal começaram a ser publicadas, o gordo
passou a responder por tripla acusação: falta de formosura, falta de
retidão de espírito e falta de capacidade para gerenciar a própria
saúde”, diz a nutricionista Paola Altheia. Criadora do blog Não Sou Exposição,
Altheia notabilizou-se por desconstruir os mitos de emagrecimento e questiona os
padrões de beleza: “Está mais do que na hora de compreendermos que o corpo gordo
não é um erro, um pecado ou um crime”.
Muitos dos mitos relacionados com o peso têm a ver com a ideia de que a obesidade é
controlável — portanto, representa negligência. Mas o excesso de peso não é
necessariamente resultado de comer demais. Vários outros fatores podem contribuir,
como falta de sono, condições socioeconômicas, medicamentos, desequilíbrio
hormonal, genética, problemas de saúde mental e até mesmo a poluição do ar.
Ou seja, segundo Altheia, dizer que uma pessoa é obesa porque ela come demais e
não se exercita muito é fazer uma generalização.
Outro mito comum é a noção de que pessoas gordas não são saudáveis apenas por
serem gordas. Hoje, a obesidade é identificada com o cálculo do Índice de Massa
Corporal (IMC), um número obtido por meio da relação entre altura e peso. O Índice
de Massa Corporal é uma classificação da antropometria, um segmento da antropologia
que mede o corpo humano e suas partes, e começou a ser usado a partir do século 19
como forma de estabelecer normas sociais e definir o que seria um “corpo humano normal”.
Essas tentativas de definir e categorizar pessoas entre normais e anormais estão
fortemente associadas à eugenia, ciência que tenta determinar quais seriam os
seres humanos com o melhor patrimônio genético — e que já serviu de justificativa
para genocídio, escravidão e colonização.
Há um termo para isso na chamada “sociologia da obesidade”: healthism (ou higiomania,
em português), que é um julgamento moral sobre alguém com base em sua saúde ou preocupação em excesso com a saúde. De acordo com esse estudo, quem não é considerado saudável ou que faz coisas contrárias ao que é tido como tipicamente saudável acaba sendo visto como uma pessoa ruim ou com moral negativa. “Cada vez mais aumentamos nossas expectativas sobre as pessoas em termos de saúde e comportamentos saudáveis, e é uma expectativa disseminada, que permeia a vida social, profissional e educacional dos indivíduos”, diz Michaela Null, professora de Sociologia da Universidade de Wisconsin-Fond du Lac.
“O estudo do healthism não é contrário à saúde, apenas questiona como entendemos a
saúde, quem responsabilizamos pela saúde, como ela está relacionada a sistemas de
poder e a crescente pressão para que as pessoas aparentem saúde.” Segundo Null,
cuja especialidade é sociologia da obesidade, essa área do conhecimento se dedica
a pensar criticamente sobre como o peso de alguém é frequentemente usado como
indicador de saúde e como a ideia de ser magro resulta em projeções sobre a qualidade
de alguém como pessoa.

Saúde? Isso é relativo
Estudo recente encabeçado por psicólogos da Universidade de Los Angeles (Ucla) apontou
que usar o IMC para determinar índice de saúde levou à classificação incorreta de 54
milhões de americanos saudáveis como “doentes”. De acordo com a pesquisa, que cruzou
dados de IMC com os de exames laboratoriais, quase metade dos norte-
americanos considerados acima do peso conforme seus índices de massa
corporal são saudáveis, assim como aproximadamente 20 milhões de
obesos. ]Além disso, mais de 30% das pessoas com o IMC considerado normal na
verdade não estão saudáveis. Conclusão? Obesidade não é sinônimo de doença,
assim como magreza não é sinônimo de saúde.
Algo que já sabia Luciane Barros, criadora do Africa Plus Size Fashion Week, um
projeto pioneiro no Brasil que faz desfiles de moda e cria peças para mulheres gordas e
negras com a missão de valorizar a beleza de diferentes tons e tamanhos. Durante mais
de oito anos, Luciane praticou boxe profissionalmente, inclusive treinando para
competições. O manequim 48 não foi empecilho para ela, cujos exames de saúde não
apontavam qualquer problema com colesterol ou diabetes. Barros era gorda,
saudável e lutadora de boxe.
“Perceber que ser gordo ou magro não define saúde foi o que me impulsionou a criar
o Africa Plus Size Fashion Week. Por preconceito, foi pregado que o gordo não tem saúde.
E isso não é verdade, comecei a perceber que isso não me definia”, explica. Na
realidade, conforme pesquisa publicada no periódico Archives of Internal Medicine,
uma em cada quatro pessoas magras sofre dos riscos associados à obesidade. Ao mesmo
tempo, 15% dos norte-americanos que são considerados “muito obesos” de acordo com
seu IMC (o que equivale a mais de 2 milhões de pessoas), estão, de fato, saudáveis.
O problema é que o IMC não traz dados sobre hábitos saudáveis,
hormônios, taxas de colesterol e triglicerídeos, além de outros fatores
que são detectados por meio de exames laboratoriais e dizem muito mais respeito
à saúde de alguém do que o tamanho de um corpo.
Estudo recente encabeçado por psicólogos da Universidade de Los Angeles (Ucla) apontou
que usar o IMC para determinar índice de saúde levou à classificação incorreta de 54
milhões de americanos saudáveis como “doentes”. De acordo com a pesquisa, que cruzou
dados de IMC com os de exames laboratoriais, quase metade dos norte-
americanos considerados acima do peso conforme seus índices de massa
corporal são saudáveis, assim como aproximadamente 20 milhões de
obesos. ]Além disso, mais de 30% das pessoas com o IMC considerado normal na
verdade não estão saudáveis. Conclusão? Obesidade não é sinônimo de doença,
assim como magreza não é sinônimo de saúde.
Algo que já sabia Luciane Barros, criadora do Africa Plus Size Fashion Week, um
projeto pioneiro no Brasil que faz desfiles de moda e cria peças para mulheres gordas e
negras com a missão de valorizar a beleza de diferentes tons e tamanhos. Durante mais
de oito anos, Luciane praticou boxe profissionalmente, inclusive treinando para
competições. O manequim 48 não foi empecilho para ela, cujos exames de saúde não
apontavam qualquer problema com colesterol ou diabetes. Barros era gorda,
saudável e lutadora de boxe.
“Perceber que ser gordo ou magro não define saúde foi o que me impulsionou a criar
o Africa Plus Size Fashion Week. Por preconceito, foi pregado que o gordo não tem saúde.
E isso não é verdade, comecei a perceber que isso não me definia”, explica. Na
realidade, conforme pesquisa publicada no periódico Archives of Internal Medicine,
uma em cada quatro pessoas magras sofre dos riscos associados à obesidade. Ao mesmo
tempo, 15% dos norte-americanos que são considerados “muito obesos” de acordo com
seu IMC (o que equivale a mais de 2 milhões de pessoas), estão, de fato, saudáveis.
O problema é que o IMC não traz dados sobre hábitos saudáveis,
hormônios, taxas de colesterol e triglicerídeos, além de outros fatores
que são detectados por meio de exames laboratoriais e dizem muito mais respeito
à saúde de alguém do que o tamanho de um corpo.

Corpos políticos
Em geral, quando as pessoas trocam suas fotos de perfil nas redes sociais, recebem
dezenas de comentários excessivamente elogiosos feitos por amigos. Mas não foi
isso que aconteceu quando, em fevereiro de 2015, a youtuber Jessica Tauane decidiu
postar na sua página uma foto comum, em que aparecia sorrindo. “Volta pro mar,
baleia jubarte.” “Sapatão lixo.” “Gorda feia.” Foram mais de 420 comentários,
boa parte deles xingando Jessica por ser gorda e lésbica. Criadora do Canal das
Bee, um canal do YouTube com quase 300 mil inscritos, Jessica é conhecida por falar
sobre preconceitos, especialmente homofobia.
“Eu não sei por que causaram tanto naquilo, mas ninguém conseguiu fazer eu me
sentir ofendida de verdade — por exemplo, me chamando de desonesta. Porque o que
importa não é a sua aparência, mas o que você faz. Desonestos são eles, que não
aceitam as pessoas sendo felizes”, afirma. Jessica conta ter demorado para entender
como funciona a gordofobia, já que nunca sofreu pressão para emagrecer dentro de
casa, diferentemente de conhecidas suas que são insultadas pelos familiares todos os
dias — uma chegou até a ser levada para realizar uma cirurgia bariátrica
pela própria mãe sem seu conhecimento.
Ao criar o Canal das Bee e ganhar notoriedade, Jessica passou a ser atacada por sua
aparência e orientação sexual, e então entendeu como as opressões estão conectadas.
“Foi uma aula de interseccionalidade; comecei a ver que existem muitas coisas que
não são aceitas. Nosso corpo é muito político porque tem corpos que são aceitos e outros
não”, afirma.
Em geral, quando as pessoas trocam suas fotos de perfil nas redes sociais, recebem
dezenas de comentários excessivamente elogiosos feitos por amigos. Mas não foi
isso que aconteceu quando, em fevereiro de 2015, a youtuber Jessica Tauane decidiu
postar na sua página uma foto comum, em que aparecia sorrindo. “Volta pro mar,
baleia jubarte.” “Sapatão lixo.” “Gorda feia.” Foram mais de 420 comentários,
boa parte deles xingando Jessica por ser gorda e lésbica. Criadora do Canal das
Bee, um canal do YouTube com quase 300 mil inscritos, Jessica é conhecida por falar
sobre preconceitos, especialmente homofobia.
“Eu não sei por que causaram tanto naquilo, mas ninguém conseguiu fazer eu me
sentir ofendida de verdade — por exemplo, me chamando de desonesta. Porque o que
importa não é a sua aparência, mas o que você faz. Desonestos são eles, que não
aceitam as pessoas sendo felizes”, afirma. Jessica conta ter demorado para entender
como funciona a gordofobia, já que nunca sofreu pressão para emagrecer dentro de
casa, diferentemente de conhecidas suas que são insultadas pelos familiares todos os
dias — uma chegou até a ser levada para realizar uma cirurgia bariátrica
pela própria mãe sem seu conhecimento.
Ao criar o Canal das Bee e ganhar notoriedade, Jessica passou a ser atacada por sua
aparência e orientação sexual, e então entendeu como as opressões estão conectadas.
“Foi uma aula de interseccionalidade; comecei a ver que existem muitas coisas que
não são aceitas. Nosso corpo é muito político porque tem corpos que são aceitos e outros
não”, afirma.
Os corpos que não são aceitos sofrem uma espécie de patrulha, com
um bombardeio de comentários. E, ao contrário daquilo em que acredita aquela tia
cheia de “boas intenções” que sempre tem algo a dizer sobre a silhueta do restante da
família, falar sobre o corpo do outro não colabora em nada com a sua saúde, apenas
prejudica seu estado emocional. Um estudo recente do Instituto de Psicologia da
Universidade de Liverpool indicou que, quanto mais pessoas obesas reconhecem sua
obesidade e pensam a respeito disso, maior a tendência de comerem além da saciedade
para buscar conforto emocional.
Em outras palavras, chamar a atenção de alguém para seu peso e sua
alimentação deixa a pessoa mais propensa a comer compulsivamente.
“As pessoas que sofrem de compulsão alimentar, depressão e baixa autoestima
agravarão a sua condição cada vez mais, à medida que forem discriminadas”, diz a
nutricionista Paola Altheia. “Um corpo gordo sempre atrai um time de ‘paladinos da
saúde’. O que verdadeiramente incomoda é a aparência do gordo, que, para muitos, é
repulsiva. E é disso que se trata.”
Rejeitar a obesidade com a justificativa da saúde não é prática recente na nossa
cultura. As primeiras dietas voltadas a controlar o peso e reduzir medidas
datam de mais de 2,4 mil anos atrás — uma das mais famosas foi criada
justamente por um dos primeiros médicos de que se tem notícia, Hipócrates
(qualquer ]trocadilho com o nome é mera coincidência). Na tradição greco-romana
clássica, regida pelo mote “corpo são, mente sã”, ter corpo magro e musculoso
significava o domínio da racionalidade, a moderação dos hábitos. Da mesma
forma, ser “corpulento” significava exatamente o oposto, a entrega demasiada aos prazeres.
Para Platão, um dos filósofos mais influentes sobre o pensamento europeu, a gula
era moralmente condenável porque prejudicaria o desenvolvimento pleno do intelecto.
um bombardeio de comentários. E, ao contrário daquilo em que acredita aquela tia
cheia de “boas intenções” que sempre tem algo a dizer sobre a silhueta do restante da
família, falar sobre o corpo do outro não colabora em nada com a sua saúde, apenas
prejudica seu estado emocional. Um estudo recente do Instituto de Psicologia da
Universidade de Liverpool indicou que, quanto mais pessoas obesas reconhecem sua
obesidade e pensam a respeito disso, maior a tendência de comerem além da saciedade
para buscar conforto emocional.
Em outras palavras, chamar a atenção de alguém para seu peso e sua
alimentação deixa a pessoa mais propensa a comer compulsivamente.
“As pessoas que sofrem de compulsão alimentar, depressão e baixa autoestima
agravarão a sua condição cada vez mais, à medida que forem discriminadas”, diz a
nutricionista Paola Altheia. “Um corpo gordo sempre atrai um time de ‘paladinos da
saúde’. O que verdadeiramente incomoda é a aparência do gordo, que, para muitos, é
repulsiva. E é disso que se trata.”
Rejeitar a obesidade com a justificativa da saúde não é prática recente na nossa
cultura. As primeiras dietas voltadas a controlar o peso e reduzir medidas
datam de mais de 2,4 mil anos atrás — uma das mais famosas foi criada
justamente por um dos primeiros médicos de que se tem notícia, Hipócrates
(qualquer ]trocadilho com o nome é mera coincidência). Na tradição greco-romana
clássica, regida pelo mote “corpo são, mente sã”, ter corpo magro e musculoso
significava o domínio da racionalidade, a moderação dos hábitos. Da mesma
forma, ser “corpulento” significava exatamente o oposto, a entrega demasiada aos prazeres.
Para Platão, um dos filósofos mais influentes sobre o pensamento europeu, a gula
era moralmente condenável porque prejudicaria o desenvolvimento pleno do intelecto.

Padrões que adoecem
Bernardo Costa sempre foi a única pessoa gorda da família, que o pressionava para emagrecer. Ao começar a frequentar a cena gay do Rio de Janeiro, sentiu vontade de se “montar” como as drag queens que ele tanto admirava. Um dia, vestiu um maiô preto brilhante, fez uma maquiagem elaborada e foi para a pista. “Você não tem vergonha de usar as roupas que usa com esse seu corpo?”, ouviu de um conhecido. A verdade é que não, muito pelo contrário. “Eu me monto e as pessoas me olham torto, às vezes me pergunto se estou me expondo demais. Mas tem que ser na luta, dei minha cara a tapa — alguns gostaram, outros não”, diz. “A gente tem que se soltar. A vida é muito curta, não podemos nos prender a preconceitos.” Mas se soltar não é algo tão fácil: os efeitos da gordofobia também podem ser sentidos na vida emocional e são capazes de abalar o psicológico.
Tamara Greenberg, psicóloga especializada em trauma e saúde mental que atende pacientes em San Francisco (EUA), nota que pessoas estigmatizadas pelo seu peso muitas vezes passam a acreditar que não merecem ser amadas. “Pessoas com sobrepeso são extremamente estigmatizadas e estereotipadas. Eu vi mulheres obesas concluírem que ninguém se sentiria atraído por elas por causa de seu peso, mas isso simplesmente não é verdade”, afirma à GALILEU.
“Elas adotaram essas ideias sobre quem merece atenção com base em ideais de beleza atuais, mas basta olhar uma pintura renascentista para ver como esses ideais mudam.” Segundo Greenberg, a implicância com a obesidade diz mais sobre as pessoas que fazem comentários desnecessários a respeito do corpo alheio do que sobre os próprios obesos. “Aqueles que têm problemas com indivíduos com sobrepeso possuem muitas ansiedades relacionadas a comida”, destaca.
De fato, não são só as pessoas obesas ou com sobrepeso que sofrem gordofobia. Qualquer um que não se encaixe nos padrões de beleza pode se sentir estigmatizado e, como resultado, desenvolver doenças como bulimia e anorexia, problemas comuns entre adolescentes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada cinco meninas brasileiras com idade entre 13 e 15 anos se acha gorda ou muito gorda. Entre as entrevistadas, apesar de 21,8% se considerarem gordas ou muito gordas, o desejo de perder peso atinge 30,3% delas. É uma ansiedade generalizada, que pode vitimar jovens que levam padrões de beleza a sério demais.
Em São Paulo, segundo pesquisa da Casa do Adolescente, da Secretaria de Estado da Saúde, 77% das adolescentes apresentam propensão a desenvolver algum distúrbio alimentar, seja anorexia, seja bulimia, seja compulsão por comer. Entre as participantes do estudo, 85% acreditam que existe um padrão de beleza imposto pela sociedade; 46% disseram que mulheres magras são mais felizes; e 55% adorariam simplesmente acordar magras. Outro balanço do mesmo órgão apontou que, em média, a cada dois dias uma pessoa é internada por anorexia ou bulimia somente nos hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo.

De boas intenções...
Não bastasse a discriminação diária, se você é gordo há uma grande probabilidade de que
o seu salário seja menor só por causa de sua aparência. Pesquisas realizadas nos Estados
Unidos em 2013 encontraram uma relação inversa entre obesidade e um salário
robusto, digamos. Conforme estudo da Universidade Cornell, quanto mais rico você
for, maior a probabilidade de ser saudável. E, se você é mulher e de alguma
minoria racial ou étnica, você é mais propensa a ser obesa.
Segundo John Cawley, professor de Cornell e responsável pela pesquisa que analisa os
efeitos econômicos da obesidade, a pobreza pode engordar algumas pessoas, mas a
obesidade definitivamente empobrece as pessoas, em especial as mulheres. As obesas
em geral têm 50% menos chances de frequentar o ensino superior, 20% menos chances
de se casar, sete vez mais chances de ter depressão e recebem 9% a menos que mulheres
não obesas.
Um outro estudo de 2015, desta vez da Universidade Vanderbilt, concluiu que mulheres
obesas têm mais possibilidade de trabalhar em empregos com ênfase em atividade
braçal em detrimento daqueles voltados à interação com o público, uma tendência
não observada com homens obesos. Mesmo quando elas atuam em postos que exigem
interação física, mulheres obesas recebem menos do que mulheres não obesas, que por
si só já ganham, em média, dois terços a menos do que os homens pelo mesmo
serviço nos Estados Unidos.
Para Luciane Barros, que sofreu na pele a rejeição por não se encaixar nos padrões,
trabalhar a autoconfiança interna e coletivamente (em grupos de apoio, por exemplo)
e parar de se preocupar com a opinião dos outros é uma maneira eficaz de lidar com
a pressão social. “O bem-estar, a liberdade, a beleza e a força de alguém não
estão na aprovação do próximo. Acredito muito nisso e na busca do seu
bem-estar independentemente do que a sociedade prega como sendo o melhor.”
Quando era pequena e ia à praia com a família, Ariane Freitas se escondia embaixo do
guarda-sol com a barriga dobrada para que ninguém visse seu corpo. Seu avô a
chamava de “minha gordinha”, suas tias perguntavam quando ela ia emagrecer e
sua mãe insistia que ela não “era” gorda, apenas “estava” gorda. Tudo muito
bem intencionado, porém opressor. “Eu sempre me senti confortável com meu
corpo; eu me sentia desconfortável com a visão dos outros sobre o meu corpo. A sensação
que eu tinha é que as pessoas se importavam muito mais em patrulhar as outras do
que em cuidar de si mesmas”, conta.
Anos mais tarde, ela se formou em Comunicação e atualmente toca a Indiretas do Bem, uma comunidade online que conta com 7 milhões de membros com o objetivo de espalhar mensagens positivas. “As pessoas vêm atrás de você e reclamam porque você está confortável em seu biquíni com seu corpo fora do padrão e elas passaram o ano inteiro se preocupando, fazendo dieta, tentando entrar no padrão, então se sentem ofendidas por você estar tranquila sem se esforçar para entrar no padrão delas”, diz Freitas. “A minha relação com meu corpo hoje é mais tranquila porque eu estou feliz e faço apologia de acreditar em quem você é, eu acho que o amor próprio é o caminho para que isso aconteça”, destaca. Como dizem por aí: para ter um corpo de verão, basta ter um corpo.
Não bastasse a discriminação diária, se você é gordo há uma grande probabilidade de que
o seu salário seja menor só por causa de sua aparência. Pesquisas realizadas nos Estados
Unidos em 2013 encontraram uma relação inversa entre obesidade e um salário
robusto, digamos. Conforme estudo da Universidade Cornell, quanto mais rico você
for, maior a probabilidade de ser saudável. E, se você é mulher e de alguma
minoria racial ou étnica, você é mais propensa a ser obesa.
Segundo John Cawley, professor de Cornell e responsável pela pesquisa que analisa os
efeitos econômicos da obesidade, a pobreza pode engordar algumas pessoas, mas a
obesidade definitivamente empobrece as pessoas, em especial as mulheres. As obesas
em geral têm 50% menos chances de frequentar o ensino superior, 20% menos chances
de se casar, sete vez mais chances de ter depressão e recebem 9% a menos que mulheres
não obesas.
Um outro estudo de 2015, desta vez da Universidade Vanderbilt, concluiu que mulheres
obesas têm mais possibilidade de trabalhar em empregos com ênfase em atividade
braçal em detrimento daqueles voltados à interação com o público, uma tendência
não observada com homens obesos. Mesmo quando elas atuam em postos que exigem
interação física, mulheres obesas recebem menos do que mulheres não obesas, que por
si só já ganham, em média, dois terços a menos do que os homens pelo mesmo
serviço nos Estados Unidos.
Para Luciane Barros, que sofreu na pele a rejeição por não se encaixar nos padrões,
trabalhar a autoconfiança interna e coletivamente (em grupos de apoio, por exemplo)
e parar de se preocupar com a opinião dos outros é uma maneira eficaz de lidar com
a pressão social. “O bem-estar, a liberdade, a beleza e a força de alguém não
estão na aprovação do próximo. Acredito muito nisso e na busca do seu
bem-estar independentemente do que a sociedade prega como sendo o melhor.”
Quando era pequena e ia à praia com a família, Ariane Freitas se escondia embaixo do
guarda-sol com a barriga dobrada para que ninguém visse seu corpo. Seu avô a
chamava de “minha gordinha”, suas tias perguntavam quando ela ia emagrecer e
sua mãe insistia que ela não “era” gorda, apenas “estava” gorda. Tudo muito
bem intencionado, porém opressor. “Eu sempre me senti confortável com meu
corpo; eu me sentia desconfortável com a visão dos outros sobre o meu corpo. A sensação
que eu tinha é que as pessoas se importavam muito mais em patrulhar as outras do
que em cuidar de si mesmas”, conta.
Anos mais tarde, ela se formou em Comunicação e atualmente toca a Indiretas do Bem, uma comunidade online que conta com 7 milhões de membros com o objetivo de espalhar mensagens positivas. “As pessoas vêm atrás de você e reclamam porque você está confortável em seu biquíni com seu corpo fora do padrão e elas passaram o ano inteiro se preocupando, fazendo dieta, tentando entrar no padrão, então se sentem ofendidas por você estar tranquila sem se esforçar para entrar no padrão delas”, diz Freitas. “A minha relação com meu corpo hoje é mais tranquila porque eu estou feliz e faço apologia de acreditar em quem você é, eu acho que o amor próprio é o caminho para que isso aconteça”, destaca. Como dizem por aí: para ter um corpo de verão, basta ter um corpo.

Por que não é preguiça
O sobrepeso não é necessariamente resultado de comida em excesso ou falta de atividade física. Conheça alguns fatores comprovados cientificamente
O sobrepeso não é necessariamente resultado de comida em excesso ou falta de atividade física. Conheça alguns fatores comprovados cientificamente
Falta de sono - Segundo uma pesquisa do King’s College London, pessoas que dormem menos de sete horas por dia consomem, em média, 385 calorias diárias a mais do que aquelas que dormem além disso.
Condições socioeconômicas - Uma pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde apontou que o excesso de peso está ligado à escolaridade: 57,3% dos brasileiros com até oito anos de estudo estão com excesso de peso, enquanto aqueles com mais de 12 anos de estudo fazem o índice cair para 48,4%.
Medicamentos - Alguns remédios e até anticoncepcionais formulados à base de estrógeno colaboram no ganho de peso.
Desequilíbrio hormonal - Um desequilíbrio na glândula tireoide pode causar o hipotireoidismo, que desacelera o metabolismo, o que dificulta o gasto de energia e retém sal e água, levando ao inchaço.
Genética - Estudos realizados com gêmeos mostram que a genética influencia nosso peso entre 40% e 70%. Há inclusive genes associados ao acúmulo de gordura, como o FTO — um levantamento recente publicado na revista Nature comprovou que ratos sem esse gene nunca ficam obesos, mesmo comendo muito e se movimentando pouco.
Condições socioeconômicas - Uma pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde apontou que o excesso de peso está ligado à escolaridade: 57,3% dos brasileiros com até oito anos de estudo estão com excesso de peso, enquanto aqueles com mais de 12 anos de estudo fazem o índice cair para 48,4%.
Medicamentos - Alguns remédios e até anticoncepcionais formulados à base de estrógeno colaboram no ganho de peso.
Desequilíbrio hormonal - Um desequilíbrio na glândula tireoide pode causar o hipotireoidismo, que desacelera o metabolismo, o que dificulta o gasto de energia e retém sal e água, levando ao inchaço.
Genética - Estudos realizados com gêmeos mostram que a genética influencia nosso peso entre 40% e 70%. Há inclusive genes associados ao acúmulo de gordura, como o FTO — um levantamento recente publicado na revista Nature comprovou que ratos sem esse gene nunca ficam obesos, mesmo comendo muito e se movimentando pouco.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2017/05/gordofobia-por-que-esse-preconceito-e-mais-grave-do-que-voce-pensa.html
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